sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Diogo finalista


o Diogo foi à escola
e por ser dia de festa
convidou o Ratatui
que se meteu na sacola
como se fosse a gaiola
onde tem um carrossel

brinca nele todo o dia
até chegar o farnel
pevides de vários frutos
vitaminas em produtos
com um saborzinho a mel

na mochila que carregava
dentro levava bolachas
daquelas de meter o dedo
e o rato, em segredo
com uma fome danada
comeu tudo de assentada
e depois cheio de medo
escondeu-se numa caixa
de lápis, canetas, borrachas
que era também a morada
de uma fadinha encantada

ele pediu-lhe um desejo
ainda muito assustado
não queria o Di zangado
no dia dos finalistas
a fada fez-lhe a vontade
e com grande habilidade
encheu de gomas às listas
o rato desesperado

a festa foi um sucesso
houve doces para todos
o rato foi a estrela
com palhaçadas a rodos

o Bruno muito à cautela
deu-lhe uma festa pequena
de uma maneira serena

o Edgar fez uma cena
quando o Tui roeu-lhe o dedo
pensando que era um brinquedo

o Francisco endiabrado
queria jogar futebol
com o bicho convidado

o Diogo finalista
foi eleito companheiro
pela fada ilusionista
pela família presente
pelo rato tão contente
por sentir-se como gente
sendo só malabarista

e assim fica a história
duma forma simplista
sem qualquer dedicatória
mas transporta encantamento
que possa encher o momento
do Diogo finalista

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"Blokito"


Era um bloco completamente branco perdido na estante do quarto. Triste e sem uso, passava os dias a olhar a janela, esperando pela brisa que de quando em vez entrava, folheava as páginas incólumes, arejando-lhe as ideias e despedindo-se depois de todos quando alguém espirrando, fechava a janela sem avisar.
Conversava também com os livros, seus vizinhos, ouvindo-lhes contar histórias. Sonhava com elas e desejava ter um dia muitas letras, e desenhos, e palavras daquelas de encantar, ou de rir, ou de chorar. Sim porque também há histórias tristes, de chorar. Mas o que desejava mesmo, era ter dentro de si, escrito nas suas páginas como tatuagens coloridas, poesia. Deliciava-se quando ouvia poesia. Conhecia já alguns poetas cujos escritos perfumavam a prateleira de cima, carregada com livros bolorentos de filosofia, sociologia, teologia, e outras coisas acabadas em ia que ele não percebia, mas que também não lhe trazia grande preocupação. A poesia estava-lhe na alma, ou melhor dizendo, no âmago do seu papel de 80gr.
Por ser assim pequenito e sonhador, era conhecido nas redondezas da estante por “Blokito”. Todos se metiam com ele, dizendo mesmo que acabaria em bloco de rascunho, com páginas arrancadas, usadas e depois amarrotadas, deitadas no cesto de papéis, os sem nenhuma importância, ou rasgados, aqueles que mesmo assim possuíam alguma informação que o “escritor” a todo o custo tentava destruir. Arrepiava-se com aquela conversa dos livros de histórias.
O tempo ia passando e nada. Ninguém pegava no “Blokito”. Tornara-se amigo duma enciclopédia que ia chegando em fascículos. Era gira aquela família, variada, com muita informação, e ultimamente toda a gente lá de casa lhe passava os olhos para aprender qualquer coisa. Era uma família grande, nascia um elemento cada semana, cada um mais interessante do que o precedente. E assim se passaram 52 fascículos, 52 semanas, um ano, sem quase ninguém dar conta, pois as conversas eram muitas e a agitação enorme, com tantas coisas novas e interessantes. Blokito tornava-se um sábio mesmo sem ter nada escrito em si.
Um fim de tarde, depois da brisa ter entrado e saído, depois do espirro e do fechar da janela, “Blokito” não cabia em si de contente. Umas mãos, diferentes das da D. Maria, a empregada que limpava o pó dia sim, dia não, pegaram nele cuidadosamente e transportaram-no abraçado ao fascículo 52. Lá foram assim os dois juntinhos, até à secretária que ele via sempre à sua frente, mas que nunca na vida tinha tocado. Estranhamente não viu nem canetas, nem lápis, nem marcadores sobre a mesa, mas ali estava o fascículo aberto na página 16, mesmo ao seu lado. De repente, a sua primeira folha foi arrancada cuidadosamente e numa concentração quase religiosa foi dobrada, redobrada, vincada, alisada… Pagina 24, folha 2 dobrada, redobrada, vincada, alisada… Pagina 40, folha 3 dobrada, redobrada, vincada, alisada… e assim sucessivamente durante quase uma noite inteira. Durante quase uma noite inteira “Blokito” cumpriu seu sonho. Cada folha sua, branca, era um poema. Não fora usada a escrita, mas cada uma delas era um poema lindo, diferente, a três dimensões. “Blokito”, só agora percebera por completo aquele fascículo 52 que tinha escrito na capa ORIGAMI, A POESIA DE PAPEL…

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Arrepia Bigodes, o boneco de neve


Ali estava ele direitinho, em pose de sentinela, sorrindo a quem passava, piscando mesmo um olho quando o sol da manhã mais quentito amolecia a superfície gelada e lhe cobria meio olho feito com uma rodela de maça raineta. O nariz dava-lhe um ar importante. Uma cenoura pontiaguda, que de inicio chegou a ter uma ramagem, constituindo um farfalhudo bigode verde, muito próximo em aspecto e volumetria daquele exemplar pertencente ao bigodes da Gália chamado Astroix. E ali estava ele no meio do jardim, desde o Natal, ninguém sabia como aparecera, quando fora feito, quem se tinha entretido a construir tão simpática figura. A criançada, entretinha-se com a sua manutenção. Um trouxe-lhe o cachecol roto do tio Adalberto. Outro, 3 pratos já rachados, de cor berrante, que ficaram a calhar como botões cerâmicos luxuosos, numa barrigona que nos dias de mais calor lhe escorria fazendo-o emagrecer uns quilitos, logo recompostos à pressa na ronda diária dos putos do prédio 24. Eram eles os responsáveis pelo corpo. Uns dias era a barriga que precisava de uns retoques, outros dias era a cabeça que aparecia mais afilada, derretida no queixo. Chegaram mesmo a fazer-lhe umas orelhas enormes, de burro, como as da escola. Valeu um sol arrasador, apontado àquela parte, para colocar a verdade da figura. O Lucas Andrade, do prédio 32 trouxe a velha bacia da roupa suja, azul à Porto, e colocou-lhe na cabeça. Ficava-lhe a matar, quando não tinha a careca escorregadia, aguentava-se. Calçou-lhe umas chuteiras rotas que encontrou na arrecadação do avô e enfiou-lhes uns tubos de cartão, como pernas, que pintou às riscas, tipo meias de marca. Parecia mesmo o Vulk, ou melhor com aquele ar tão feroz, eu podia chamar-lhe mesmo Vulkão, o artilheiro, candidato a bota de (c)ouro, troféu instituído todos os anos para o melhor marcador nas futeboladas do recreio.
Durante aquele Inverno, os miúdos divertiram-se imenso à volta dele. Inventaram mil e umas coisas para lhe colocar e a vizinhança ia sorrindo sempre que por ele passava. O Malaquias Canones fotógrafo, artista do bairro, ia fotografando e registando as diferentes cenas, como se estivesse numa passagem de modelos, daquelas que se vê na televisão, vindas de França. Tinha ouvido falar num famoso estilista, o Cócó Chinelo, e achava mesmo que, ali no bairro, se estava a passar o acontecimento “fashion” do ano. Esperava fazer bom dinheiro com a reportagem, vendendo-a à revista Taras e ao jornal 24 Porras.
O Inverno ia já alto, e a equipa de manutenção via-se de dia para dia em grandes dificuldades, para o manter aprumado. A neve e o gelo começava a rarear, e vários foram os dias que em campanha de solidariedade, o bairro inteiro disponibilizou os cubos de gelo existentes nos frigoríficos. E lá estava ele, mais magro, linhas menos arredondadas por imposição das arestas dos cubinhos e num processo de definhamento que parecia irreversível. Não havia solução. A Primavera, radiosa e desejada para a maioria, deixava naquele bairro um rasto de tristeza. Ninguém sorria e os meninos e meninas dos prédios do bairro, não tinham mais vontade de brincar. Mas eis que o Yonas Sucat, um ucraniano sucateiro de profissão e biscateiro por devoção, teve uma ideia brilhante. A velha arca congeladora que era da Micas Marinheira e que ele trouxera para a sua garagem aliviando o espaço da Peixaria Carapau Progato, seria a solução do problema. Passou a noite a compor o equipamento e com a ajuda do primo Alex Trolhevsky, pelas 5 da manha, colocou o boneco na arca, que fora da Micas. Tudo ficou impecável com o pequeno senão do cheiro. A arca tinha um cheiro a peixe que fazia arrepiar qualquer bigode e outras pilosidades que pudessem haver num raio de 30 metros. Mas foi a solução encontrada e muito bem.
Na manhã seguinte, pouca era a neve que restava no jardim… A criançada ao não encontrar o seu companheiro de brincadeiras, resignou-se deixando correr duas ou três lágrimas pela face.
Naquele ano todos falaram das grandes aventuras de Inverno. O Malaquias fez a sua exposição no Outono, fazendo reviver memórias e saudades. No Inverno depois do Natal, ali estava ele outra vez em pose de sentinela, sorrindo a quem passava e arrepiando bigodes e outras pilosidades num raio de 30 metros. Os miúdos não se importavam. Não tinham aquele problema e facilmente se adaptaram ao cheiro. A partir daquele Inverno, já todos sabiam que o boneco de neve aparecia sem se saber como, quando ou porquê. Todos os Invernos ali estava ele o Arrepia Bigodes, de nariz importante e olhos de rodelas de maça raineta.