quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"Blokito"


Era um bloco completamente branco perdido na estante do quarto. Triste e sem uso, passava os dias a olhar a janela, esperando pela brisa que de quando em vez entrava, folheava as páginas incólumes, arejando-lhe as ideias e despedindo-se depois de todos quando alguém espirrando, fechava a janela sem avisar.
Conversava também com os livros, seus vizinhos, ouvindo-lhes contar histórias. Sonhava com elas e desejava ter um dia muitas letras, e desenhos, e palavras daquelas de encantar, ou de rir, ou de chorar. Sim porque também há histórias tristes, de chorar. Mas o que desejava mesmo, era ter dentro de si, escrito nas suas páginas como tatuagens coloridas, poesia. Deliciava-se quando ouvia poesia. Conhecia já alguns poetas cujos escritos perfumavam a prateleira de cima, carregada com livros bolorentos de filosofia, sociologia, teologia, e outras coisas acabadas em ia que ele não percebia, mas que também não lhe trazia grande preocupação. A poesia estava-lhe na alma, ou melhor dizendo, no âmago do seu papel de 80gr.
Por ser assim pequenito e sonhador, era conhecido nas redondezas da estante por “Blokito”. Todos se metiam com ele, dizendo mesmo que acabaria em bloco de rascunho, com páginas arrancadas, usadas e depois amarrotadas, deitadas no cesto de papéis, os sem nenhuma importância, ou rasgados, aqueles que mesmo assim possuíam alguma informação que o “escritor” a todo o custo tentava destruir. Arrepiava-se com aquela conversa dos livros de histórias.
O tempo ia passando e nada. Ninguém pegava no “Blokito”. Tornara-se amigo duma enciclopédia que ia chegando em fascículos. Era gira aquela família, variada, com muita informação, e ultimamente toda a gente lá de casa lhe passava os olhos para aprender qualquer coisa. Era uma família grande, nascia um elemento cada semana, cada um mais interessante do que o precedente. E assim se passaram 52 fascículos, 52 semanas, um ano, sem quase ninguém dar conta, pois as conversas eram muitas e a agitação enorme, com tantas coisas novas e interessantes. Blokito tornava-se um sábio mesmo sem ter nada escrito em si.
Um fim de tarde, depois da brisa ter entrado e saído, depois do espirro e do fechar da janela, “Blokito” não cabia em si de contente. Umas mãos, diferentes das da D. Maria, a empregada que limpava o pó dia sim, dia não, pegaram nele cuidadosamente e transportaram-no abraçado ao fascículo 52. Lá foram assim os dois juntinhos, até à secretária que ele via sempre à sua frente, mas que nunca na vida tinha tocado. Estranhamente não viu nem canetas, nem lápis, nem marcadores sobre a mesa, mas ali estava o fascículo aberto na página 16, mesmo ao seu lado. De repente, a sua primeira folha foi arrancada cuidadosamente e numa concentração quase religiosa foi dobrada, redobrada, vincada, alisada… Pagina 24, folha 2 dobrada, redobrada, vincada, alisada… Pagina 40, folha 3 dobrada, redobrada, vincada, alisada… e assim sucessivamente durante quase uma noite inteira. Durante quase uma noite inteira “Blokito” cumpriu seu sonho. Cada folha sua, branca, era um poema. Não fora usada a escrita, mas cada uma delas era um poema lindo, diferente, a três dimensões. “Blokito”, só agora percebera por completo aquele fascículo 52 que tinha escrito na capa ORIGAMI, A POESIA DE PAPEL…